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Por que negamos o sofrimento?


Você já parou para pensar por que sofremos,ou melhor, por que é tao difícil sofrer? Por que tememos a dor? Por que tememos o sofrimento? Esse temor pode nos fazer negar o sofrimento, ou minimizar. Pode fazer com que não enxerguemos a realidade como é verdadeiramente apresentada. Começamos a maquiar dados e informações. Começamos a desviar o foco, como se o tempo tudo curasse. O tempo não cura. O tempo arrasta.


Dar a devida atenção aos fatos da vida, as crises, as alegrias e conquistas, e ao inesperado é sinal de maturidade e de controle emocional. Afinal de contas, o sofrimento e a dor fazem parte da vida humana e precisamos aprender a lidar com isso de forma madura a equilibrada (quando dá).


Dar a devida atenção ao que nos faz sofrer não é se vitimizar, se colocar no como frágil e incapaz de lidar com os desafios. Não estou falando aqui sobre as pessoas que se colocam em postura de vítimas e supervalorizam todos os eventos ruins da existência com intuito de atrair a atenção para si ou justificar seus insucessos na culpabilização dos outros. Estou falando aqui de pessoas que evitam olhar o sofrimento de frente e preferem negar um problema, uma dor, do que assumir que está vulnerável a ela. Sim, todos nós somos vulneráveis. A vida é muito frágil. Um vírus pode nos mostrar isso. Um tornado e um terremoto. Somos vulneráveis, mas não somos fracos e sem coragem. Isso é uma opção.


Algumas pessoas temem o sofrimento por não quererem se sentir vulneráveis, talvez por que não conhecem de verdade o significado de vulnerabilidade, associando a fraqueza. De acordo com a escritora e pesquisadora Brene Brow, em seu livro A Coragem de ser Imperfeito, a “Vulnerabilidade soa como verdade e é sinal de coragem. Verdade e coragem nem sempre são confortáveis, mas nunca são fraquezas”.¹


Ela ainda afirma que “No campo da psicologia do bem-estar, estudos mostram que a vulnerabilidade percebida, ou seja, a capacidade de reconhecer nossos riscos e exposições aumenta grandemente nossas chances de aderir a algum tipo de programa de saúde mais positivo”.² Ou seja, reconhecer que somos vulneráveis pode ser a melhor maneira de evitar doenças físicas e emocionais. Isso nos faz tomar as devidas precauções e cuidados conosco e com os outros.


O sofrimento, por definição nos deixa mais vulneráveis, mais expostos, mais humanos. Talvez por isso, o tememos tanto. Talvez por isso, tentamos a todo custo fazer de conta que não existe, nem em mim e nem no outro. Ao negar que uma pessoa possa ter depressão, ou quando eu nego que um ser humano sofre tratamento diferente e rejeição por conta da cor da pele, eu rejeito também a ideia do sofrer. Eu nego no outro, pois se não acontece comigo, não existe.


Vemos todos os dias pessoas negando a existência do racismo, da depressão, das doenças e das crises. Negar só arrasta o problema e não resolve em nada. Só prolonga a dor. Talvez seja por isso, que em pleno século XXI estamos abordando temas que são seculares e não resolvidos. Mas então, quando iremos efetivamente mudar? Quando iremos lidar de frente com as mudanças desconfortáveis, com o sofrimento e a dor humana?


Para Buda, o ser Humano tem quatro maneiras de lidar com o sofrimento e a mudança, e ele nos conta essa visão através de uma parábola, a parábola dos Quatro Cavalos.



Ele faz a seguinte analogia em relação a como processamos a dor e sofrimento:


Um cavalo, antes mesmo do chicote bater em sua pele, já se posiciona e põe-se a correr, ele age sem que a dor e o sofrimento se apresente. Basta ele perceber a existência do chicote e não negá-lo. em nossas vidas, isso ocorre quando percebemos uma situação de sofrimento com as outras pessoas bem distantes, como por exemplo, a dor e o sofrimento das pessoas que passam fome na África, ou o tsunami de 2004 na Ásia que vitimou mais de 230 mil pessoas, ou ainda as 44 mil mortes de Italianos em aproximadamente três meses por conta de um vírus. E isso nos faz repensar a vida, nos faz ter uma atitude mais humana e compassiva, nos faz compreender a finitude da existência e que precisamos rever valores e prioridades, nos engajar em causas humanitárias e sociais. Ou ainda, nos faz repensar que hoje temos tudo, amanhã podemos não ter mais nada. Não importa o plano que você faça.


O segundo cavalo é aquele que o chicote encosta na pele.É quando um evento ruim acontece com uma pessoa conhecida, que pode ser um morador do seu estado ou até mesmo uma personalidade da TV. Um artista que pega um vírus ou desenvolve um câncer, ou até mesmo um acidente de carro. Quando isso ocorre, somos impactados pela perda e pelo sofrimento do outro e começamos a refletir e fazer algumas mudanças em nossas vidas. Desde uma dieta e exercícios, até mesmo lavar mais as mãos.


O terceiro cavalo é aquele que o chicote bate na carne, dói, dói muito. É quando uma pessoa muito próxima se vai. Um pai, uma mãe, um filho... O melhor amigo irmão... Nesse momento, nos damos conta da fragilidade da vida, da impermanência, de que somos passageiros aqui no planeta e que somos vulneráveis ao sofrimento. E aí começamos a finalmente mudar o nosso olhar para o sofrimento e para dor, começamos a compreender que realmente sofremos e que precisamos lidar com isso. Que precisamos rever valores e prioridades. Aí começamos a perceber que a dor do outro também pode bater a nossa porta.


O quarto cavalo é aquele que o chicote corta a carne, chega ao osso e faz sangrar.Esse é o caso de quando você vai ao médico é diagnosticado com câncer e é dado a você e alguns meses de vida. Também pode ocorrer quando você é diagnosticado com um vírus e é informado que terá quer ser entubado,não sabendo se irá retornar a ver seus familiares e amigos. Quando recebemos esse diagnóstico é que geralmente reavaliamos a nossa vida. Há relatos de pessoas que veem o filme de suas vidas passar em suas mentes. Muitos ficam a remoer os comportamentos não adotados para evitar o sofrimento maior, as falas não ditas a experiências não vividas. Ai que descobrimos que tantos sonhos, tantos planos e desejos, podem sumir de repente e nada mais disso fazer sentido.


Cabe você agora refletir qual cavalo é você.


Você pode escolher lidar com o sofrimento de frente, compreender que ele existe mesmo que não aconteça nada direto a você e, a partir daí agir para amenizar a possibilidade da dor em você e nos outros, buscando rever seus comportamentos e valores pessoais . Você pode tomar todos os cuidados de higiene para não contaminar outras pessoas mesmo que você não tenha os sintomas de nenhuma doença. Você pode se opor ao racismo mesmo que você não sofra, você pode ajudar alguém que sofre de depressão ou qualquer outro transtorno emocional mesmo que você nunca tenha passado por isso.


Ou você pode esperar o sofrimento maior chegar com toda força e rasgar A SUA carne bem fundo, para que somente assim você faça as mudanças em sua vida e lide com o sofrimento de frente e aprenda a viver a sua HUMANIDADE. Se você tiver tempo, é claro.



Zaionara Gomes

Psicóloga





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1,2 -Brown, Brené. A coragem de ser imperfeito: Como aceitar a própria vulnerabilidade, vencer a vergonha e ousar ser quem você é pode levá-lo a uma vida mais plena . Editora Sextante. Edição do Kindle.


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